Tuesday, May 23, 2006

amor viajado

dispo-te a seda
rendilhada transparente esvoaçante
e já o sal da maré cheia transborda a inquietação
de nos termos
na alegria nervosa
desta viagem sempre retomada

como quem ama a viagem
abrimos a colcha e o colchete
e navegamos os trilhos do corpo
(com gestos lentos e lindos)
e afagamos o delírio de fogueiras
acesas na respiração da noite

que as bocas se busquem
e os corpos se conquistem
na rubra viagem
do desejo tortuado
(..)
corpos esplendorosos
fundidos
etéreos
latejantes
contorcidos
que falam a linguagem mítica dos deuses
e se amam devagar
na lenta gestação do poema

esta a mão que navega
no seio que leveda

há sombras na parede
e há cintilações no espelho
deste nosso amor viajado

redescobrimo-nos
no vaivém dos corpos
e nas sensações mais fundas
de calcanhares a lavrarem
nádegas de volupia

esses corpos enlaçados
sensuais de torsos suados
são cavalos sedentos corceis
endoidecidos de paixão
e enraivecidos de prazer

que a noite penetre em nós,
meu amor.
e que os teus dentes cravem
os ombros do travesseiro
e que as unhas sulquem
o arrepio das costas
e que o silêncio ciciado
do nosso grito se faça ouvir
no latejar das veias

injectados de amor
abraçados e abrasados
navegamos ainda o corpo
poro a poro
pétala a pétala
nas marés incertas
de sexos
que se entreabrem em flor

as mãos incendiadas
escorrem a seiva
da consumação infinita
(e há, no teu rosto transfigurado,
os despojos,
de tormentosos naufrágios)

e após o espasmo das paixões
ficou, no quarto,
o odor perfumando e quente
da macela brava dos sentidos.
(já perdemos a noção da hora
e o coração bate apressado).
assim renascemos.
estamos vivos!

assim adormecemos
entorpecidos no absoluto de nós
no repouso embriagado
da nossa morte silenciosa

agora sei
que é na encosta dos teus seios
(onde me aninho e abrigo)
que bate, ó mulher esplêndida,
o coração dos homens.

Fim

"Á flor da pele" Victor Rui Dores, 1991

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